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08 julho 2024

PRÉMIO LEYA Cerimónia de entrega do Prémio LeYa 2023

Foi num ambiente festivo e de celebração, da literatura e especialmente da que é escrita em língua portuguesa, que o Prémio LeYa foi entregue, na passada quarta-feira, ao escritor Victor Vidal – o autor do romance vencedor: Não Há Pássaros Aqui.

 

Nos jardins da Residência Oficial do Embaixador do Brasil em Portugal, o anfitrião da cerimónia, Victor Vidal não escondeu a emoção, contagiando todos os presentes, quando recordou o momento em que Manuel Alegre, presidente do júri do prémio LeYa, fez o já famoso telefonema a anunciar-lhe que tinha sido ele o vencedor da 16.ª edição do mais importante prémio literário para livros inéditos escritos em língua portuguesa. “É um dia que jamais esquecerei”, confessou.

 

A seu lado, propositadamente convidado para o efeito, esteve Stênio Gardel, também escritor, também brasileiro e também premiado, com o prestigiado National Book Award, pela primeira vez atribuído a um autor de língua portuguesa, com o livro A Palavra que Resta, que acaba de ser publicado pela Dom Quixote. Os dois, Victor Vidal e Stênio Gardel, conversaram sobre os percursos de ambos, os respectivos livros e os prémios que alcançaram, moderados pelo jornalista João Gabriel de Lima.

Antes, já o embaixador do Brasil, Raimundo Carreiro, tinha dado as boas-vindas a ambos os escritores e a todos aqueles que fizeram questão de marcar presença na sessão, que terminou, como não podia deixar de ser, com Pedro Sobral a entregar o galardão do Prémio a Victor Vidal.

 

Sendo o autor brasileiro e a cerimónia decorrido na residência oficial do embaixador do Brasil é caso para dizer, citando Chico Buarque, foi bonita a festa, pá.

 

Partilhamos o discurso que Victor Vidal leu logo depois de receber o Prémio LeYa.

 

“Ofereço o meu sincero agradecimento aos membros do júri do Prêmio LeYa 2023 pela leitura generosa do meu livro e pela distinção. Nunca esquecerei a manhã em que recebi a ligação do escritor e poeta Manuel Alegre, presidente do júri, com a notícia da vitória de Não Há Pássaros aqui. É uma honra fazer parte da história de uma iniciativa tão importante para a produção literária em língua portuguesa.

Quero estender o meu agradecimento à equipe LeYa pela acolhida afetuosa e à editora Maria do Rosário Pedreira pelo olhar atencioso durante todo o processo de publicação do livro. Guardarei no fundo do peito tudo o que aprendi nos últimos meses.

Agradeço também a ilustre presença do embaixador Raimundo Carreiro e a possibilidade de realizar esta celebração em sua residência.

Descobri as possibilidades inesgotáveis da palavra escrita durante a infância, quando o papel e a caneta se mostraram como aliados contra o bullying, a solidão e o medo da morte. Após anos preenchendo cadernos com pensamentos e sentimentos, percebi com assombro que, por meio da palavra, era possível criar um mundo completamente diferente daquele em que eu vivia. Enquanto tudo se mostrava inconstante e inseguro, a palavra escrita me ajudou a sonhar e a abrir janelas em cavernas escuras. Cresci em uma região periférica e pobre do Rio de Janeiro, em um lugar em que os sonhos muitas vezes eram tratados como delírios. As necessidades básicas impossibilitavam que as pessoas fossem longe demais, impossibilitavam que as pessoas enxergassem outras formas de viver. Durante muitos anos, tive vergonha de confessar o quanto amava literatura e escrita. Como contar aos outros que eu desejava escrever romances quando a pobreza causava tanto estresse e humilhação em minha vida? Tive uma infância turbulenta, marcada por poucas demonstrações de afeto e pelo abandono. Minha mãe viveu uma relação extremamente abusiva com o meu pai; por muitos anos, o ambiente em nossa casa foi hostil e perigoso. Algumas das minhas primeiras lembranças envolvem gritos, o som de objetos quebrando e lágrimas. Diversas vezes, minha mãe precisou buscar às pressas abrigo em casa de parentes, arrastando os dois filhos pequenos consigo. Quando o meu pai finalmente nos abandonou para viver em outro lugar, senti alívio e tristeza. Até hoje não tenho notícias suas.

Tive a sorte de encontrar pelo caminho professores que demonstraram apoio e me ajudaram a ver valor em mim mesmo. Recebi desses professores livros, filmes e carinho. Certa vez, ouvi algo de um desses professores que me marcou profundamente: "Todas as pessoas são artistas, mesmo que elas não saibam disso. Todas as pessoas são artistas quando criam maneiras de tornar a vida possível". Guardei essas palavras como quem guarda pedras preciosas, e passei a repeti-las para mim mesmo em segredo. Repetia quando me perseguiam e me atacavam. Repetia quando ansiava por afago. Repetia quando o medo da morte congelava o sangue em minhas veias. Repetia para não me deixar apagar pela brutalidade. Acredito que as palavras desse professor me levaram à formação em História da Arte, me levaram a tentar compreender por que os artistas criavam o que criavam, por que as artes são tão importantes.

Quatro anos atrás, após muito esforço, consegui realizar um sonho de infância: conhecer o Anexo Secreto em que Anne Frank havia se escondido durante a Segunda Guerra Mundial. Desde a primeira vez em que li o seu diário, me senti fortemente conectado à maneira como a palavra escrita permitiu que ela ultrapassasse os muros que a rodeava, como a palavra escrita se tornou a fonte da energia que possibilitou que ela não sucumbisse durante momentos tão terríveis. Quando entrei no Anexo Secreto, fiquei espantado ao imaginar a rotina naquele espaço claustrofóbico: os movimentos contidos, as conversas sussurradas, a imobilidade do ar. No entanto, nada era tão assombroso quanto a presença do vazio. Deixei o museu pensando nas imagens que permanecem gravadas em nossa alma, nas imagens de nossa infância que nos perseguem durante toda a vida. Nos meses que se seguiram, comecei a ouvir a voz de uma personagem lutando contra o vazio, lutando contra o apagamento. Para escrever o livro, precisei apenas ouvir com atenção. Não há pássaros aqui surgiu de um emaranhado de desejos inconfessáveis. Durante muitos anos, ambicionei escrever histórias que alcançassem a criança que eu fui, que estendessem a mão para ela e a puxassem para a superfície. Acreditava que, ao fazer isso, conseguiria tocar em algo que fosse verdadeiro não apenas para mim. Narrar é articular espaços e tempos perdidos, não há narrativa sem vazio. O jogo entre cheio e vazio, sombra e luz, oculto e revelado é atordoante e desafiador.

Levei dois anos para concluir a escrita do livro. Não contei para ninguém o que havia feito e engavetei o livro por mais de um ano. Quando descobri que o Prêmio LeYa aceitaria inscrições online pela primeira vez, decidi soprar a poeira do livro e submetê-lo ao júri. Ainda orientado por aquela criança insegura que vivia em mim, não acreditei que eu poderia ser contemplado com tamanha distinção. Receber a ligação naquela manhã de 14 de novembro me fez perceber que é possível continuar sonhando. Nos últimos meses tenho vivido tudo aquilo que fantasiei por anos. Espero que as palavras que reuni com tanto cuidado reverberem no peito dos leitores. Espero que, mesmo à distância, seja possível estabelecer algum tipo de conexão.

Dedico este Prêmio à minha mãe, que, mesmo não guardando nenhuma semelhança com a mãe do livro, está na raiz desta história. Também dedico este Prêmio ao meu irmão.

É com muita emoção que me curvo em agradecimento a todos que tornaram este momento possível.

Talvez apenas compreenda o que vou dizer agora quem leu o livro. Mas eu não posso deixar de ressaltar que, sim, há pássaros aqui, há muitos pássaros aqui.

Obrigado a todos.”

 

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